Caminhar pela W3 Sul resgata a memória afetiva de quem vive Brasília há mais tempo. Hoje, o cenário é preocupante e deixa saudades. O movimento da avenida resume-se ao horário comercial das lojas que ainda sobrevivem ali. Aos fins de semana, sobram calçadas vazias e vagas de estacionamento. À noite, as quadras permanecem desertas e silenciosas. Imagens muito diferentes das que se via há 30 anos. Até os anos 1980, ali pulsava o coração da capital federal.
Nem todos sabem, mas a rua foi palco de carnavais e manifestações. Em julho de 1971, até Pelé desfilou em carro aberto por lá. No mesmo ano, Brasília parou para ver a carreata de candidatas ao Miss Brasília, sentadas nos capôs de automóveis, acompanhadas de batedores da Polícia Militar.
Para Hely Walter Couto da Pioneira da Borracha, hoje o abandono é claro. “Fiquei aqui porque os prédios em que estou fui eu que construí. São meus, então não pago aluguel. Os outros tinham de pagar, não conseguiam mais arcar com os custos dos funcionários e se foram.” Decepcionado, ele lamenta a falta de consumidores. “Os negócios estão péssimos. As praças estão abandonadas. Se revitalizassem, aqui poderia ser ponto de encontro para dar nova vida à W3.”
Comerciantes sobreviventes dos tempos áureos guardam as memórias com carinho. É o caso do empresário Erivaldo Macena de Abreu, 52 anos. A loja de aluguel de roupas que um dia recebeu ministros, deputados e senadores, hoje não atrai tanto movimento. O estabelecimento foi inaugurado em 1962, na quadra 509, com o nome Kassabian, primeira do ramo no DF. Apenas em 1985, Erivaldo começou a trabalhar ali. “Na época, tinha 17 anos e cuidava da limpeza. Fui crescendo, passei a ser gerente e acabei comprando do dono”, declara.
Nostálgico, ele recorda da avenida sempre lotada. “A W3 era como um shopping. Aos sábados, as pessoas vinham só para passear aqui. Era um ponto de encontro. Tomavam sorvete, e compravam. Esse era o point. A gente pegou a época de ouro.” Durante o mandato presidencial de José Sarney, Erivaldo chegou a atendê-lo. “Sou de criação humilde, sempre tratei como igual. Hoje penso que deveria ter feito fotos com eles (as autoridades). Era tanta gente que não caberia em uma parede”, brinca.
Erivaldo manteve o nome original até 2015, quando o lugar passou a se chamar Sonho Real. Ele explica que a clientela fiel ajudou o lugar a se manter funcionando. “Atendi o cara que casou, depois o filho dele, e hoje recebo o neto”, afirma. “Mas, para sobreviver, tivemos que pensar em alternativas e passamos a oferecer consertos. Se fosse só de aluguel, não bastaria.” Hoje, ele lamenta o descaso com o lugar. “Os estacionamentos são no meio da rua, as calçadas não estão niveladas. Falta manutenção na quadra. Além disso, com os shoppings, as pessoas preferem fazer tudo por lá.”
Em 1968, a então repórter do Correio Maria Valdira traçou um perfil da via mais famosa de Brasília. Na reportagem ela destaca a ebulição do local. “Com a transferência definitiva da capital, as atividades comerciais, bancárias, etc. transferiram-se do Núcleo Bandeirante para a Avenida W3, que passou a constituir o coração comercial da cidade.” Na matéria intitulada “Uma rua chamada W-3”, a jornalista ressalta que se especulava sobre o futuro, quando, após a construção do Setor Comercial Sul, a avenida passaria a ser como qualquer outra. “Entretanto, essa ideia não tem aceitação no meio do brasiliense, que já se acostumou com a estrutura rebelde da sua W3.”
Texto e Fotos: Correio Braziliense
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