Entre os cliques instantâneos que pipocam no feed do Instagram, algumas imagens andam bem diferentes: granuladas, com uma textura especial e luzes inesperadas. E não se tratam dos famigerados filtros da plataforma. As fotos feitas com filmes 35mm não só voltaram à tona, em trabalhos autorais e muitos editoriais (o mercado da moda tem adorado), como reativaram laboratórios, lojas de consertos de câmeras analógicas e grupos de debates sobre a experiência.

A artista plástica Lorena Moreira começou a fotografar em 35mm no início do ano. Ela estava fuxicando a casa da avó e se deparou com uma Olympus Infinity 76. “Foi amor à primeira vista. Faço como hobby, preferi deixar como uma brincadeira em vez de me dar mais uma função profissional”, diz ela. “Clico de forma natural e sem pensar muito. Qualquer coisa que me interesse visualmente eu abro a bolsa e pego a câmera, que levo para todos os lugares”, conta. “Têm muitas câmeras com preços legais em feiras de antiguidade, como a da Praça XV”, comenta, revelando o caminho das pedras.

Muita gente acredita que esse estilo tenha retornado seu posto no embalo do sucesso das máquinas Lomos, também analógicas, que tiveram o boom há cerca de 15 anos. Bá Rosalinski sempre fez um pouco de tudo: produz festas, tem uma marca de comidinhas veganas e, de uns tempos para cá, também fotografa. Foi depois de uma viagem à Califórnia que sentiu o estalo. “Era 2008, e fiquei louca com o movimento das Lomos. Voltei para o Rio e peguei uma câmera Minolta SLR do meu pai. Comecei a andar com ela para cima e para baixo. Depois, uma Yashica médio formato”, lembra. Há uns três anos, o hobby virou negócio. “O que eu mais curto é brincar com os diferentes filmes e luz, e trazer focos não óbvios”, conta Bá, que tem um olhar para o lifestyle. “Gosto de gente, de rua, de circular por diferentes nichos e movimentos da cidade. Meu trabalho mostra como é a vida cultural e os personagens.”

Referência em imagens analógicas, Demian Jacob, de 38 anos, lembra de quando, em 2004, fez um curso no Ateliê da Imagem todo com filme 35mm. “Ainda não existiam câmeras digitais no mercado e aprendi muito ali”, recorda ele, que é seduzido pelo processo e tem clientes como Osklen, Mari Giudicelli e Nike. “Mais do que a estética final, gosto de não ver o resultado na hora em que se está fotografando, tendo assim uma relação mais livre com o tema. Sempre penso que o que fazemos não é só fotografia analógica. É um híbrido, começa com filme mas termina no meio digital para se manipular e se propagar.”

De fato, em redes sociais como o Instagram, a hashtag 35mm tem quase 36 milhões de menções. E o número aumenta rapidamente. Ao mesmo tempo que cresce o número de pessoas investindo nesse tipo de filme, profissionais estão tendo que se limitar pelos valores que os filmes chegam ao Brasil. Sem falar na demora da entrega. “Está cada vez mais difícil comprar esses materiais a um preço praticável. O que se comprava a R$ 19 em 2019, hoje custa R$ 75. O filme continua sofrendo reajustes das fábricas e o dólar não para de subir”, destaca a fotógrafa Isabel Gandolfo, 29 anos. Ela, que ganhou a primeira analógica aos 9, retomou a fotografia em película em 2015 e investe em retratos. “Curto os erros, as poeiras, os arranhões, as marcas da minha digital quando revelo os filmes. Essa coisa dramática de ter que acertar a foto acaba passando para imagem”, conta.

A fotógrafa Juliana Rocha, de 34 anos, começou a clicar com filme em 2015. Ao lado do companheiro e também fotógrafo Bruno Machado, criou uma agência de fotografia analógica chamada O Álbum. “Comecei como uma busca autoral, já que eu trabalho comercialmente com fotografia digital. Mas tudo acabou se misturando, e fiz diversos trabalhos comerciais que queriam essa estética. Acredito que nos últimos oito anos o analógico voltou das cinzas”, pontua Juliana. “A fotografia digital tem muita resolução, mas perde na textura. O negativo é mais orgânico, entende a luz mais como os nossos olhos. Fora que é maravilhoso lidar com a expectativa que se cria, uma imagem em latência, que precisa ser revelada. É poético. Movimenta nossa criatividade de um jeito diferente, com mais liberdade, porque, apesar de termos que lidar com uma limitação de frames, não fazemos julgamentos instantâneos”

O fotógrafo Vitor Vieira tem um portfólio quase totalmente analógico. Há 12 anos investindo nesse formato, ele se aprofundou na técnica. “O que mais faço é moda e retratos. Mas, além disso, tenho meu trabalho autoral em que investigo a relação humana com a natureza. São imagens sem artifício digital que revelam qualidades orgânicas e reais”, descreve ele, que posta em @vidabossa.

Designer de joias, fotógrafa e diretora na produtora Rrelva, Amine Chalita admira o resultado completamente ao acaso. “Minha maior pesquisa é sobre o cotidiano escondido nas miudezas”, diz ela, que começou a experimentar bem cedo. “Aos 9 anos, usava máquina Point and Shoot, que decorei com todos os adesivos que colecionava. Na faculdade, comecei a me interessar pela fotografia de verdade e ganhei uma máquina manual antiga da minha avó. Voltei a brincar. A vida é cíclica, e o ser humano adora um resgate, né? Como já dizia Cazuza: eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades.”