sábado, 23 de janeiro de 2016

Veja imagens de filme em que ator francês sobe no topo de prédios da cidade

Veja imagens de filme em que ator francês sobe no topo de prédios da cidade

Conheça a saga fantástica do filme O homem do Rio, em que o ator Jean-Paul Belmondo faz malabarismos no topo dos prédios de Brasília dos tempos pioneiros, a 50m de altura


 postado em 23/01/2016 08:08 / atualizado em 23/01/2016 08:08
 Severino Francisco
Cinemateca Brasileira/Divulgação

Quem já viu as fotos ou assistiu à sequência do filme O homem do Rio (L’homme de Rio), em que o ator francês Jean-Paul Belmondo faz malabarismos no topo do esqueleto dos prédios de Brasília dos tempos pioneiros, sente um calafrio retroativo na espinha. Em uma das imagens, ele se equilibra, perigosamente, em uma tábua, sob a vertigem da cidade espacial, com as linhas da plataforma da rodoviária em primeiro plano e a pirâmide do Teatro Nacional ao fundo, quase reduzida à dimensão de uma caixinha de fósforo. Mas não se preocupe. O descolado Belmondo, alçado à condição de estrela da nouvelle vague por Jean-Luc Godard com o filme Acossado, numa época dominada pelos galãs de Hollywood, não chegava a ser o Homem-Aranha, mas tinha sido artista de circo e boxeador. Escalar os prédios da nova capital e fazer acrobacias a 50m do chão, perto das nuvens, era fichinha para ele. Seria melhor a gente se preocupar com os atores coadjuvantes que o perseguiam na trama, visivelmente desajeitados em cima dos andaimes.

O homem do Rio, dirigido por Philippe de Broca, foi lançado em 1964. No entanto, em seguida, saiu do circuito e recuou à condição de filme (praticamente) inédito. Mesmo assim, não passou em brancas nuvens. Ganhou uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro, e o quadrinista Hergé o considerou a melhor adaptação de Tintin às telas. O enredo mirabolante narra as peripécias do personagem Adrien (Jean-Paul Belmondo) e sua namorada Agnès (interpretada pela belíssima Françoise Dorleac, irmã de Catherine Deneuve). Agnès é sequestrada e trazida até Brasília porque ela possuía uma estatueta malteca de valor milionário. O filme é uma espécie de versão francesa das aventuras de James Bond e se tornou uma das principais fontes de inspiração de Steven Spielberg para filmar Caçadores da arca perdida. Tanto a película completa quanto a sequência feita em Brasília estão disponíveis na internet. A sequência de Brasília teve mais de 42 mil acessos no Youtube.
Quando iniciou as pesquisas para escrever o livro Apontamentos para uma história (ITS), na verdade, uma história detalhada do cinema candango, o cineasta, crítico e professor Sérgio Moriconi só tinha como pista a sequência de O homem do Rio em Brasília, que se tornara um hit de acesso no Youtube. Simplesmente não existia nenhuma cópia do filme completo. Com apoio da Embaixada da França, Moriconi viajou até Paris para fazer uma varredura nos arquivos da célebre Cinemateca Francesa. Só havia uma cópia em reserva especial e ele teve de ver o filme em uma moviola: “Veja como Brasília ainda desperta o fascínio. As duas moças da Cinemateca exclamaram: ‘Ça Brasiliá! Oscar Niemyer!’. E fizeram questão de ver o filme”.

Lobby
Existe uma versão de que o nome do filme seria O homem de Brasília, mas um lobby carioca teria revertido o título para O homem do Rio. A hipótese tem fundamento, pois a trama transcorre em outros países, passa por Manaus e pelo Rio de Janeiro, mas a maior sequência (de mais de 20 minutos) e o ápice dos acontecimentos ocorrem em Brasília, com o James Bond francês perseguido por sequestradores em corridas de carro, envolvido por nuvens de poeira de um cenário futurista ou a escalar o cume dos prédios em estado de esqueleto, como se fosse um malabarista de circo: “Não poderia haver escolha mais acertada do que Jean-Paul Belmondo”, lembra Moriconi. “Qualquer outro ator poderia ter se esborrachado de 50m de altura e provocado uma tragédia. Belmondo era um atleta, um artista circence. Para ele, aquelas cenas perigosas foram muito divertidas. Fiquei temeroso com coadjuvantes que o perseguiam nos andaimes dos prédios.”




No contexto dos filmes de aventura, a sequência na capital equivaleria a um safári nas savanas e selvas africanas, escreveu Sérgio no livro. Em O homem do Rio, a cidade inacabada é o cenário perfeito para esse safári exótico-surrealista, como o seria para uma hipotética ficção científica, na qual as obras de Oscar Niemeyer afloram como ruínas arqueológicas de um povo pré-colombiano, quem sabe como as remanescências de uma civilização extraterrestre deixada imaculada pelo uso de materiais não perecíveis.

Sérgio cresceu em Brasília e pode acompanhar o cenário em que se desenvolve a sequência de Belmondo no topo dos prédios. Todos os edifícios se encontravam em estado de esqueleto, com exceção do Congresso Nacional e do Palácio da Alvorada. As imagens se apresentam em um salto espacial sobre os lugares. Saem da rodoviária e vão para baixo das pilastras do Palácio da Alvorada. “Andaimes altíssimos são o refúgio de Adrien/Belmondo”, observa Moriconi. “Uma visão bela e perturbadora: a Esplanada, a plataforma rodoviária, o céu azul no horizonte, muito azul. A cidade inacabada parece uma ruína futurística. É como disse Clarice Lispector: Brasília é o presente de um futuro que já passou. Para os estrangeiros, é uma percepção fantástica: não existe ponto de referência em nenhuma outra cidade do mundo”.

Fascínio

O homem do Rio surfou em uma onda de fascínio dos franceses pela construção de uma capital modernista “em plena selva”, como se acreditava à época. Antes, Marcel Camus, o mesmo diretor de Orfeu negro, filmou Le pioners (Os pioneiros), road movie que vem da selva amazônica até chegar a Brasília e culminar em uma grande epopeia carnavalesca dos candangos de vários pontos do país na Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional, como se ali fosse um sambódromo utópico, paraíso perdido futurista: “O James Bond francês de O homem do Rio só poderia competir com o norte-americano nas ruínas futuristas de Brasília”, comenta Moriconi. “O agente 007 havia rodado em quase todos os lugares do mundo. O Rio de Janeiro já era um cartão-postal desde 1950. Era original que o périplo internacional em busca de uma estatueta primitiva desembocasse em um monumento da modernidade”.

A história do cinema brasiliense tem relevância local, nacional e mesmo internacional. Dezenas de estrangeiros vieram para documentar o nascimento da capital modernista. Era uma política do presidente Juscelino Kubitschek divulgar a marca Brasília. Constitui um fato raro que uma cidade tenha sido documento enquanto se fazia. Mesmo considerando a degradação que Brasília sofreu com o regime militar e o descaso de sucessivos governos, Moriconi se surpreende com o interesse pela cidade nas viagens que faz pela Espanha, pela França ou pelos Estados Unidos. Basta dizer que é de Brasília para despertar olhares de espanto e admiração: “Uau! Brasília! Oscar Niemeyer!”