quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Torre de TV Digital de Brasília deve ser inaugurada no dia 15 de dezembro

Mariana Laboissière
Publicação: 17/11/2011 
Após três adiamentos, o Governo do Distrito Federal (GDF) promete, mais uma vez, inaugurar a Torre de TV Digital no Grande Colorado, próximo a Sobradinho. O novo prazo, 15 de dezembro, coincide com a comemoração do aniversário do idealizador do arranha-céu, Oscar Niemeyer. Representantes da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) responsáveis pela fiscalização da obra admitem, no entanto, que ainda faltam muitos detalhes para o monumento ser concluído. Até o momento, 96% do projeto foram executados, ao custo de mais de R$ 68 milhões aos cofres públicos. Mas outros R$ 6,5 milhões ainda são necessários para adequar a estrutura às exigências de segurança.

O prédio tinha previsão de ser entregue no cinquentenário de Brasília, em abril do ano passado, mas entraves jurídicos e administrativos deixaram a conclusão da obra mais distante. A última previsão de inauguração, marcada para setembro, também não foi cumprida. E, mesmo com uma nova data, parece improvável que o gigante abra as portas sem os últimos ajustes. Segundo a diretora de Edificações da Novacap, Maruska Lima de Sousa, pouco se avançou desde fevereiro deste ano. “Vários problemas aconteceram ao longo desse tempo, desde aprovação de projetos a falhas no contrato. Mesmo assim, estamos correndo para cumprir o prazo e o compromisso assumido pelo governador (Agnelo Queiroz). Vários serviços estão sendo feitos, tanto na parte interna quanto na externa. Estão mexendo nos banheiros, nas instalações para as emissoras, na pintura, no espelho d’água. Também tem a parte da drenagem de águas pluviais, iluminação, estacionamento”, detalha.

Na manhã de ontem, o Correio esteve na Torre de TV Digital, quando tratores e caminhões dentro e fora do canteiro de obras. Nem todas as janelas do elevador panorâmico tinham sido colocadas e ainda havia guindastes e equipamentos por toda parte. A via localizada em frente ao monumento também passava por intervenções para poder receber asfalto. Maruska adverte que o tempo interfere no caminhar das obras. “As chuvas atrapalham um pouco, pois fica complicado trabalhar em alguns pontos. Mesmo assim, estamos empenhados em cumprir a meta”, justificou.

A Novacap pretende lançar, dentro de 15 dias, um edital de licitação para contratação de empresas responsáveis por serviços na área externa da Torre de TV Digital. “Haverá essa concorrência para escolher as entidades que farão todo o serviço do estacionamento e de drenagem, que vai atender também o bairro Taquari”, esclareceu a diretora.

A Secretaria de Comunicação do GDF confirmou a previsão de inauguração do novo cartão-postal de Brasília, mas informou que a programação para o evento ainda não está fechada. Representantes do governo informaram que Oscar Niemeyer foi convidado, mas ainda não teria confirmado presença. Em entrevista anterior ao Correio, o arquiteto disse acreditar que as modificações na estrutura da Torre Digital não comprometeriam expressivamente o projeto original, de sua autoria, e acrescentou estar otimista quanto ao término das obras.

Estrutura
Já conhecida como Flor do Cerrado, a Torre de TV Digital tem mais de 180 metros de altura, o que equivale a um prédio de 62 andares. Desse total, 120m compõem uma estrutura de concreto, enquanto 50m compreendem uma estrutura metálica e outros 12m representam a antena do arranha-céu. Grandes estruturas, como essa, podem interferir no tráfego de aeronaves, mas a Novacap assegura que a Torre de TV Digital cumpre todos os critérios exigidos pela Aeronáutica. “Solicitaram pintura e iluminação adequadas, e isso já foi feito. Temos pareceres favoráveis das entidades competentes”, argumentou Maruska.

Adyr da Silva, especialista em transporte aéreo e ex-presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), acredita que a Torre não ofereça perigo a aeronaves. “Eles são obrigados a ter luzes de sinalização. Além disso, a distância do aeroporto é grande. Essa torre teria de ser muito mais alta para poder causar algum transtorno”, pontua. “A 1 quilômetro de distância da rampa de elevação, a torre teria de ter 70 metros para causar algum impacto. A 10 quilômetros, precisaria ter 700 metros. Então, não vejo risco.”

No sétimo andar da Flor do Cerrado, a uma altura de mais 60m, sai o braço que leva à primeira cúpula da torre. Segundo a Novacap, o desenho original prevê a realização de exposições naquele espaço. Quanto ao restaurante, planejado para o segundo braço da estrutura, no nono andar do prédio e a 80m do chão, o órgão afirmou que o desenho original do arquiteto sempre previu um bar-café nesse ponto.

Atrasos frequentes
Além de um cartão-postal para a cidade, a Torre de TV Digital será usada pelas emissoras de televisão, que terão mais infraestrutura para transmitir o sinal digital. A inauguração do monumento sofreu mudança de data por três vezes. Inicialmente prevista para abril do ano passado, depois para junho deste ano e mais tarde prorrogada para outubro, a obra não foi concluída em função de uma série de dificuldades estruturais e financeiras. Algumas modificações na segurança do prédio, por exemplo, não estavam previstas no orçamento.

sábado, 8 de outubro de 2011

Arquivos da Brasilíada


Correio conta os desafios da construção de Brasília

Publicação: 08/10/2011 09:17 Atualização:


Em nenhuma outra obra de Brasília se exigiu mais dos operários brasileiros do que nos onze primeiros ministérios e nas duas torres do Congresso Nacional. A estrutura metálica era uma tecnologia desconhecida até mesmo para engenheiros e arquitetos brasileiros da época. O peão de obra que deixou a enxada para se pendurar em esqueletos de ferro arriscou a vida e conseguiu montar, com rebites incandescentes lançados de baixo para cima e pegos no ar, o quebra-cabeças que sustenta os ministérios e o Anexo I do Congresso.

A construção do dominó verde da Esplanada foi possível a partir de um desastrado contrato da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) com uma empreiteira. A barafunda começou com um pedido de empréstimo de 10 milhões de dólares pedido ao Export-Import Bank, no fim de 1956. A contrapartida, segundo se comentava à época, era que o Brasil contratasse uma empresa norte-americana para participar da construção de Brasília. “Americano não dá ponto sem nó”, traduziu o engenheiro Cláudio Sant’Anna, um dos muitos a sugerir que o empréstimo havia sido uma operação casada.

Menos de um ano depois da concessão do empréstimo, a Novacap assinou contrato com a Raymond Concrete Pile Company, para o fornecimento e a montagem das estruturas metálicas de 16 ministérios, da barragem do Lago Paranoá e das duas torres do Congresso Nacional. A Raymond faria a obra e a Novacap, a fiscalização. No contrato assinado em novembro de 1957, foi fixado o prazo de quatro meses para a montagem das estruturas do primeiro ministério e, daí em diante, os demais teriam de ser concluídos em oito meses, “na razão de dois prédios ao mês”, conforme revela o pesquisador Luís Carlos Lopes, em Brasília, o enigma da esfinge. Engenheiros e técnicos americanos vieram para Brasília, construíram confortáveis casas de madeira, em estilo tipicamente americano, no acampamento Tamboril, na hoje Vila Planalto, mas até meados de 1958, nem sinal de obra na área destinada aos ministérios.

Pinga e papel higiênico
Foi quando o presidente da Novacap, Israel Pinheiro, avisou aos executivos da Raymond, em carta enviada aos EUA, que o secretário de Estado John Foster Dulles, em breve visita ao Brasil, viria a Brasília para “apertar o primeiro parafuso da primeira peça das estruturas metálicas levantadas para o primeiro edifício ministerial”. Assim foi. A 6 de agosto de 1958, Dulles veio e apertou o primeiro parafuso da primeira estaca de ação do prédio destinado ao Ministério das Relações Exteriores (que só seria concluído em 1970). Poderia ser o prenúncio de que tudo correria bem dali em diante, mas não foi o que aconteceu. Com o tempo, começou-se a perceber que os norte-americanos estavam metendo os pés pelas mãos e não conseguiam avançar com a obra na rapidez necessária.

“Os americanos chegaram (ao Brasil) cheios de exigência”, conta Juca Chaves. “Queriam ar-condicionado, trouxeram geladeira, tudo o que não tínhamos nos acampamentos. Queriam que a Novacap pagasse até a roupa deles. Até o papel higiênico eles colocavam na conta.” Logo, começaram a surgir “suspeitas generalizadas de corrupção e fraude”, conta o pesquisador Luís Carlos Lopes. A Novacap, então, decidiu fazer uma auditoria na Raymond, que atuava no Brasil com o nome fantasia de Construtora Planalto (daí a Vila Planalto).

Um ano depois de iniciadas as investigações, fez-se um relatório das irregularidades: desperdício de materiais, excesso no consumo de combustível, irregularidades no departamento de compras, corrupção na compra de areia para a barragem do Lago Paranoá, irregularidades na contração de pessoal, salários muito elevados para os norte-americanos e para alguns brasileiros; falta de higiene e de estruturas sanitárias nos alojamentos e canteiros de obras, presença de varíola, alimentação de má qualidade e situações de indisciplina e agitação social.

Àquela altura, Juscelino e Israel Pinheiro sabiam que os americanos estavam pondo em risco a transferência da capital. “Por diversas vezes — escreve JK em suas memórias —, chamei a atenção dos diretores da firma (Raymond) para a necessidade de que se adaptassem ao ‘ritmo de Brasília’. Prometiam. Garantiam que o serviço seria acelerado. Asseguravam a chegada de novos técnicos e melhor equipamento. E, assim, os dias iam passando, sem que se observasse qualquer progresso na obra.” Juscelino lembra, em Por que construí Brasília, que os norte-americanos “antes do início dos trabalhos preocupavam-se exclusivamente com seu conforto pessoal (…). A noite era consumida em alegres rodadas de uísque. Nada de flama, do élan, da preocupação de bater recordes característicos do ‘espírito de Brasília.’” JK referia-se à construção da barragem, mas o comportamento dos americanos, segundo vários depoimentos de candangos ao Arquivo Público, não mudou em nenhuma das obras que lhes foram destinadas em Brasília. Até água foi servida em substituição ao café da manha, constatou a auditoria.

Cometas de fogo
Prenunciado o desastre, Israel decidiu rever o contrato com a Raymond. Foram feitas “modificações substanciais, quase uma rescisão de contrato”, escreve Luís Carlos Lopes. Os norte-americanos arrumaram as malas e só deixaram na cidade as belas casas de madeira da Vila Planalto e alguns representantes encarregados formalmente de acompanhar as obras até 31 de dezembro de 1959, quando deveriam ficar prontas. Um pool de empreiteiras brasileiras assumiu as obras e operários, que nunca haviam visto uma viga metálica, continuaram arriscando suas vidas para dar conta de concluir o serviço.

“Foi uma dificuldade muito grande”, relembra o arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé, que veio para Brasília, recém-formado, em 1957. “Nós não tínhamos nenhuma tradição de aço, foi uma coisa incrível as empresas terminarem os ministérios após o rompimento do contrato”.

Foi um desafio extremo para os candangos. Os operários, sem nenhum equipamento de segurança, pendurados nos andares mais baixos lançavam os rebites incandescentes, para os operários que estavam mais acima. Com luvas reforçadas, eles pegavam no ar o aço em brasa e fixavam a peça nos pilares e vigas para fundi-los num só corpo estrutural.

Quando anoitecia, cometas de fogo pareciam cortar a escuridão da Esplanada. Eram os candangos lançando os rebites afogueados, construindo a nova capital e arriscando o único bem que possuíam.



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Brasília Anos 80

Rodrigo Roal, o autor desta foto de Cássia Eller no minhocão da UnB, comentando com amigos no FB. "Que bacana Rogério, poder lembrar desses tempos divertidos. Nossa, como ela estava tão novinha... Uma coisa que me impressionou muito na Cássia, quando fiz aquela foto dela na UnB, a pedido/produção da Débora, para o material do "show de lançamento/despedida", na sala Funarte, foi a extrema timidez da Cássia... Parecida com o David Bowie na foto, né não? Abraço forte"

sábado, 18 de junho de 2011

A participação da nação Goyá na construção de Brasília

Como nasce uma cidade: com quantos goianos se faz uma utopia?2 de outubro de 1956. Juscelino e comitiva vêm conhecer o local onde Brasília seria construída. A rude infraestrutura que o recebeu havia sido montada para outro presidente, Café Filho, que não veio. E, ao contrário do que todos ali imaginavam, aquele ermo era aparente

Publicação: 18/06/2011 08:00 Atualização: 18/06/2011 05:23
Três apontamentos sobre Brasília que pouco se lê ou se ouve falar: 

1 — Quando Vinicius de Moraes escreveu que “no princípio era o ermo”, ele não enxergou o homem sertanejo que há séculos habitava “as antigas solidões” e que, portanto, não eram tão solitárias assim. Ao compor, com Tom Jobim, a pedido de Juscelino, a Sinfonia da Alvorada, o poeta não teve olhos para ver o que havia de vida cultural, religiosa e produtiva dentro e fora do retângulo do Distrito Federal. Nem ele nem os demais que vieram construir a nova capital.

(Adirson Vasconcelos/Reprodução)
2 — Quando Juscelino, a 2 de outubro de 1956, desceu pela primeira vez nas terras onde Brasília seria construída, a pista de pouso de 2,7 metros, riscada no Cerrado, e o barracão comprido de vigas tortas e cobertura de palha de buriti tinham sido construídos para receber um outro presidente, Café Filho. A pista de pouso próxima à Fazenda do Gama e o cruzeiro tosco fincado no ponto mais alto do terreno haviam sido preparados para a visita do presidente que sucedeu Getúlio Vargas.

3 — Quando Antônio Soares Neto, o Toniquinho, fez a célebre pergunta a Juscelino, no comício em Jataí (GO), em 4 de abril de 1955, o candidato a presidente da República já estava plenamente informado do movimento mudancista goiano e foi ao interior do estado para lançar a sua meta-síntese, construir Brasília e transferir os Três Poderes. Durante a Constituinte de 1946, JK havia lutado fervorosamente para incluir na nova Carta a mudança da capital. Há quem sustente que Toniquinho apenas cumpriu um papel num cenário já previamente desenhado.

Meio século depois de inaugurada a cidade, a versão mais conhecida da construção de Brasília vem sendo revisitada por novos historiadores interessados em desfazer mitos sedimentados nos últimos 55 anos. Um desses pesquisadores, Luiz Ricardo Magalhães, defendeu e teve aprovada a sua tese de doutorado em história pela Universidade Federal de Goiás, em dezembro passado, na qual investigou o modo de vida dos moradores de Formosa e Planaltina nos cem anos que antecederam a construção de Brasília.

Um passeio campestre na futura Brasília em outubro de 1956: Juscelino (de chapéu); ao fundo, de terno branco, o governador de Goiás, Juca Ludovico; o general Nelson de Mello; o médico e pecuarista goiano Altamiro de Moura Pacheco (de lenço branco na lapela). Os goianos apresentavam ao presidente o terreno da nova capital (Arquivo Público do Distrito Federal/Reprodução)
Um passeio campestre na futura Brasília em outubro de 1956: Juscelino (de chapéu); ao fundo, de terno branco, o governador de Goiás, Juca Ludovico; o general Nelson de Mello; o médico e pecuarista goiano Altamiro de Moura Pacheco (de lenço branco na lapela). Os goianos apresentavam ao presidente o terreno da nova capital
A tese, que será editada em livro ainda neste semestre, tem um título revelador em si mesmo: Sertão planaltino – cultura, religiosidade e política no cadinho do modernismo. Nascido em Formosa, Magalhães experimentou, desde muito jovem, a sensação de inexistência, de invisibilidade, que foi imposta aos moradores dos três municípios pelos que aqui chegavam trazendo os tratores e a modernidade para construir a nova capital. “Sempre estranhei essa coisa de dizer que Brasília foi inventada a partir de JK, mas a vida foi passando. Até que fui trabalhar na Administração de Planaltina e via uma cena recorrente: advogados vindos do Rio e de São Paulo, representando herdeiros das terras do Distrito Federal.”

Acendeu-se em Luiz Ricardo a luzinha da inquietação investigativa e, historiador formado, decidiu pesquisar a história de dois dos três municípios (Planaltina, Formosa e Luziânia) que cederam suas terras para a formação do DF. Luziânia, ele explica, merece uma tese só para ela. Descobriu que, desde 1922, quando da instalação da pedra fundamental da nova capital em Planaltina, muitos loteamentos foram criados. Mais de cem mil, dos quais quase 60 mil só no Plano Piloto. “Até em Paris e Buenos Aires se vendeu lote”, conta Magalhães. “Comecei a perceber que Brasília foi a materialização de uma utopia nacional, mas uma utopia muito própria dos planaltinos.” Planaltinos, explica o historiador, é um termo criado pelo jornalista goiano Zoroastro Artiaga (1891/1972) para definir a gente dos três municípios formadores do Distrito Federal.

Foi uma visita nobiliárquica que inoculou nos planaltinos a ideia de que a nova capital do país um dia seria plantada num lugar muito próximo a eles. Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro (1816/1878), esteve em Formosa (GO) em 1877. Na estada de 15 dias, o visitante conclui que o triângulo formado por três lagoas (Feia, Formosa e Mestre d’Armas) era o melhor lugar para se instalar a nova capital. A partir daí, os goianos das três cidades começaram a projetar no horizonte a possibilidade de serem vizinhos da Presidência da República. “As elites letradas passaram a ter um projeto de sociedade vinculado à mudança da capital. Havia comissão mudancista em Formosa e Luziânia e clubes mudancistas em Planaltina.” Em sua investigação histórica, Luiz Ricardo Magalhães recupera a riqueza cultural, religiosa e política que brotava nos três municípios. “Havia uma jazz band em Planaltina. Na década de 1950, surge em Formosa o Jornal do Planalto. “Não era um panfleto. Tinha o acabamento de um Correio Braziliense, com fotos e tudo. Durou dez anos.”

Quem, entre muitos, compartilha da mesma inquietude de Magalhães diante da versão mais propagada da história da mudança da capital é o ex-deputado distrital e atual assessor de assuntos internacionais do GDF, Salviano Guimarães. Para mostrar que havia uma elite culta em Planaltina, Guimarães conta: “Meu avô só não formou dois filhos. Formou todos os outros – médico, dentista, advogado, as mulheres eram todas professoras. Não formou um porque ele fugiu do colégio e o outro porque teve de parar de estudar para cuidar dos irmãos quando meu avô morreu”.

Havia gado, engenhos de cana, de arroz e de café, plantio de moinhos, fábrica de cal, indústrias extrativistas, fabricação de marmelada e goiabada, produtores de charque, carne de sol, banha, toucinho e curtumes, conforme quantifica minuciosamente o agrônomo Antonio de Arruda Câmara em estudo produzido em 1948 para a Comissão de Estudos para a Localização da Capital.

O exemplo serve para dissolver a ideia de que, antes de Brasília, o que havia aqui era uma população rarefeita e chucra. Não se trata, explica Guimarães, de retirar de Juscelino os seus muitos méritos, mas de devolver aos goianos os muitos méritos que tiveram na transferência da capital. “Juscelino percebeu que Brasília poderia significar um chamamento nacional. Com a morte de Getúlio [Vargas], o povo estava desesperançado, o país estava em situação de descrédito. Ele, então, teve a ideia de instigar o orgulho nacional e faz de Brasília a sua grande pregação. Juscelino sabia que as nações são construídas com ideias e desafios.”

O PRESIDENTE ERA OUTRO
Praticamente toda a franciscana estrutura que esperava Juscelino Kubitschek e sua comitiva em 2 de outubro de 1956, dia da primeira visita presidencial ao sítio de Brasília, havia sido preparada para receber Café Filho. Quem conta é Adirson Vasconcelos, autor de mais de uma dezena de obras sobre a história da cidade: “Em 1955, Bernardo Sayão abriu uma pista de pouso e um rancho para passageiros, o chamado aeroporto Vera Cruz, onde hoje é a Rodoferroviária. Ele também abriu uma trilha ligando o aeroporto à Fazenda do Gama. Tudo isso para receber Café Filho, que acabou não vindo conhecer o sítio de Brasília.”

Um vice-governador, um secretário de Fazenda e um engenheiro — Bernardo Sayão, Peixoto da Silveira e Joffre Mozart Parada — foram os que fincaram a primeira cruz de madeira no ponto mais alto da região, onde hoje é Praça do Cruzeiro. Isso também em 1955. “Era uma cruzinha quase de graveto. Tem até uma foto mostrando Sayão e Peixoto debruçados sobre a cruz para fincá-la no Cerrado”. Alguns meses depois, uma cruz de pau-brasil foi colocada no lugar. Anos mais tarde, ela foi levada para a Catedral de Brasília e em seu lugar outra foi fincada.

TONIQUINHO JK
Aos 85 anos, morando em Goiânia, o advogado Antônio Soares Neto mantém genuíno sotaque goiano, imutável bom humor e inesgotável disposição para repetir pela milionésima vez a pergunta que fez a Juscelino em 4 de abril de 1955, durante o primeiro comício do candidato do PSD (Partido Social Democrático) à Presidência da República. Toniquinho JK, como é conhecido e como vem impresso no cartão de visitas, é frequentemente homenageado, está em todos — ou quase todos — os livros sobre a história de Brasília, mas não se irrita quando lhe perguntam se, afinal, Juscelino não tinha já tudo preparado na cabeça. “Ele disse que não foi isso não. Quando ele abriu a palavra no comício, houve aquele silêncio. Goiano, sabe como é, é tímido. Criei coragem, e com o coração saindo pela boca, levantei o dedo e fiz a pergunta.”

Havia um elo familiar e afetivo que ligava os dois principais personagens desse cenário. Chamava-se Serafim de Carvalho, líder político pessedista da região de Jataí, primo de Toniquinho e amigo de Juscelino desde os tempos de Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Advogado ainda em atividade, Toniquinho conta que houve várias reuniões preparativas para receber o candidato a presidente da República. Naquele tempo, a mudança da capital era uma espécie de epidemia febril que acometia os goianos. Um candidato era mais uma chance de trazer a modernidade para bem perto.

O historiador Ronaldo Costa Couto, autor de Brasília Kubitschek de Oliveira, acredita na sinceridade de Toniquinho. “O que ele diz é espontâneo, é verdadeiro”. Ao mesmo tempo, Couto pondera que Juscelino não caiu feito um patinho na pergunta do goiano. “JK quis que a pergunta fosse feita. Ele era um político com uma habilidade extraordinária. Ele não iria começar do nada sua campanha em Jataí, uma cidade muito pequena à epoca, sem nenhuma projeção nacional.” Couto lembra que Juscelino já havia defendido, na Constituinte de 1946, a transferência da capital primeiro para o Triângulo Mineiro e depois passou a apoiar a ideia de trazer os Três Poderes para o Planalto Central.

Há um depoimento bastante revelador no Arquivo Público do Distrito Federal. É de Jeronymo Coimbra Bueno (1909/1996), ex-governador de Goiás, ex-senador pela UDN (União Democrática Nacional), defensor candente da mudança da capital. Ele contou ao Arquivo Público, em 1990, que esteve com Juscelino — antes do comício de abril de 1955 — para conseguir dele o apoio ao compromisso de mudança da capital. Engenheiro e urbanista, Coimbra Bueno havia construído Goiânia na década de 1930, e queria construir Brasília, mas se desentendeu com Juscelino quanto ao prazo. JK pensava em uma obra para menos de quatro anos e Coimbra Bueno já vinha de uma experiência penosa. “Só que eu achava… com o que sofremos para construir Goiânia, que não foi brincadeira, em menos de cinco anos… Eu falei: “Se for construir Brasília [nesse mesmo tempo], é uma loucura”. E numa declaração de rara sinceridade: “E, de fato, nesse ponto, eu entreguei os pontos”.

Mas esse desentendimento só aconteceria mais adiante. Naquele abril de 1955, Coimbra era um dos principais líderes da frente goiana para a construção de Brasília. Vê-se, mais uma vez, que os goianos levantaram a bola para Juscelino chutar. E não apenas eles. A transferência da capital era um projeto geopolítico das forças armadas, como revela o historiador e arquivologista Luís Carlos Lopes em Brasília, o enigma da esfinge. “A possível interiorização da capital foi discutida pelo Estado Maior das Forças Armadas e pelo Estado Maior do Exército”, escreve Lopes na página 80. Ainda Lopes: “Para eles [os militares] interiorizar a capital era um modo de melhor defender o país em caso de guerra.”

Havia outras razões militares, acredita Salviano Guimarães. Com a retumbante reação popular ao suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1955, as Forças Armadas perceberam que manter a capital do país numa cidade como o Rio de Janeiro era um risco para a segurança nacional. “Bastava o presidente sair do Catete [o palácio] para estar no meio da rua.”

Em resumo: antes de Juscelino fazer o gol, outros jogadores armaram as jogadas e lançaram a bola ao artilheiro, os militares e os goianos fundamentalmente. E foi um carioca travestido de goiano, Bernardo Sayão, que, em abril de 1955, desceu no sítio destinado a Brasília, com 200 homens e um comboio de tratores e caminhões. Ele à frente, guiando um jipe, e trazendo a caravana que iria abrir o campo de pouso, fincar a cruz de graveto no ponto mais alto da Larga do Bananal (como era chamada a região onde foi construído o Plano Piloto) e descer para a Fazenda do Gama. “Em quinze dias, pusemos o aeroporto em ordem para descer qualquer avião, até DC-3. Era para o presidente Café Filho vir com o senhor cardeal — e não sei mais quem — rezar e assistir à primeira missa em Vera Cruz.”

Café não veio, afastou-se do governo. Juscelino foi eleito e pousou em Brasília a 2 de outubro de 1956 para daí em diante fazer o inimaginável.

LIVROS E TEXTOS CONSULTADOS

» A epopeia da construção de Brasília, Adirson Vasconcelos, 1989, edição do autor
» A mudança da capital, Adirson Vasconcelos, edição do autor, 1978
» Arquivo Brasília, de Lina Kim e Michael Wesely, CosacNaify, 2010
» As cidades satélites de Brasília, Adirson Vasconcelos, edição do autor, 1988
» Brasília Kubitschek de Oliveira, Ronaldo Costa Couto, Record, 2006
» Brasília, o enigma da esfinge, Luís Carlos Lopes, editora Unisinos, 1996
» De Plano Piloto a metrópole, a mancha urbana de Brasília, Jusselma Duarte de Brito, Brasília Histórica, 50 anos, Editora Sinduscon, 2010
» História de Brasília, Ernesto Silva, Editora CDL, 1999
» Meu pai, Bernardo Sayão, Léa Sayão, 1994
» Mil dias para uma cidade, Adirson Vasconcelos, edição do autor, 1963
» Terras no Distrito Federal — experiências com desapropriações em Goiás (1955/1958), dissertação de Darcy Dornelas de Farias/UnB
» Primórdios de Brasília,
Altamiro de Moura Pacheco,
Gráfica e Editora Líder, sem data

AGRADECIMENTOS
» Adirson Vasconcelos
» Arquivo Público do Distrito Federal
» Fábio Fonseca
» Jornal O Popular
» DA Press


LEIA NA EDIÇÃO DE 2 DE JUlHO DE 2011
As primeiras barracas do Exército chegam para abrigar os candangos. Operários de Araxá e do Rio de Janeiro vêm construir o Catetinho. Surge a primeira obra em alvenaria de Brasília, a Ermida Dom Bosco

Confira o hotsite Como nasce uma cidade