Aos 72 anos, Natália do Vale revisita escolha de não ser mãe: 'Hoje, penso muito nisso: que pena que não tenho um filho'
Acostumada a viver uma vida reclusa, a atriz abre uma exceção para Marie Claire perguntar sobre sua intimidade, as perdas que permeiam sua história, o casamento na maturidade e como a idade lhe atravessa. A atriz ainda revela o motivo que a fez se afastar da TV há quase seis anos e celebra sua volta aos palcos mais de 20 anos depois de sua última peça
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Ao falar de Natália do Vale, talvez seu primeiro pensamento sejam as mulheres controversas e contraditórias que interpretou na ficção, como Sílvia, de Mulheres Apaixonadas, Kika, de Os Dias Eram Assim ou até mesmo Lúcia, em Baila Comigo. Mas a atriz, em seus 72 anos, tem uma trajetória tão novelesca quanto suas personagens: presenciou em vida as mortes do pai, do irmão e da mãe. É uma sobrevivente que, com arte e o poder das relações humanas, criou sua própria família em meio a dor.
Acostumada a não se expor por acreditar não ser “tão importante” a ponto de render grandes entrevistas, a artista permite se abrir e compartilhar com Marie Claire o que tem de mais íntimo. Como a decisão de não ter filhos, o amor maduro em seu terceiro casamento, a recusa pela vaidade e a origem do desejo por um estilo de vida reservado.
“Sempre fui muito tímida. A princípio, isso pode parecer controverso com o meu ofício – e acho que é mesmo. Posso me apresentar para um público de duas mil pessoas, mas dificilmente vou conseguir falar para duas mil pessoas”, explica.
Natália, que retorna ao teatro após 22 anos com o espetáculo A Sabedoria dos Pais, de Miguel Falabella, protagonizado por ela e seu colega de longa data, Herson Capri, reflete sobre como priorizou sua carreira aos seus afetos ao longo do seu caminho, entrega o motivo de ter se afastado das telas desde 2019, quando apareceu pela última vez em A Dona do Pedaço, e ainda opina sobre o “peso da idade”, que a fez repensar suas próprias certezas.
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“Não me entristece envelhecer, me olhar e me ver com uma ruga ou um cabelo branco. Ganhei muitas coisas com maturidade. Não vou dizer que é uma maravilha, porque não é. Para mim, é uma merda. Mas não é um peso. Tem que aprender a lidar e se preparar para isso e acho que estou bem preparada. Rejeito muitos trabalhos, porque sou ainda menos vaidosa do que antes. Quero fazer coisas que me deixem feliz."
MARIE CLAIRE Você está afastada das telas desde 2019, quando atuou na novela das 21h, A Dona do Pedaço. O que motivou esse afastamento?
NATÁLIA DO VALE Depois que fiz A Dona do Pedaço, veio a pandemia e estávamos muito tristes naquele período. Depois, veio outro convite do João Emanuel Carneiro para eu retornar à TV, mas estava com um projeto de teatro que acabou não saindo. Foi uma decisão minha não fazer teatro e novela ao mesmo tempo, porque fiz muitas vezes já. Tenho muitos anos de carreira e passei muitos dias trabalhando de segunda a domingo ou de segunda a sábado, então tem um momento quando você fica mais velho que não quer mais fazer isso. Depois da pandemia, realmente quis ficar afastada da TV. Quis fazer mais teatro, estou há muito tempo sem fazer. Então, recebi o convite do Miguel [Falabella], meu amigo há 40 anos, desde quando nos conhecemos na novela O Outro, em 1987. Nessa primeira parceria juntos, fazíamos uma dupla de irmãos trambiqueiros e nos divertimos muito. De lá para cá, nos tornamos irmãos. Ele viveu situações difíceis da minha vida ao meu lado. Passei por situações dramáticas: perdi minha mãe, meu pai, meu irmão, e ele permaneceu. Também tivemos momentos felizes, de alegria, viajando juntos, nos divertindo… Não vou dizer que não tenho família, porque tenho um sobrinho, mas acredito que hoje tenho mais uma família de coração do que de sangue e Miguel faz parte dela. Sou mais próxima dele do que fui do meu irmão, a quem não tive muito tempo para me aproximar. Os momentos mais felizes que passei no palco foram ao lado de Miguel, com textos dele. Tenho muita admiração profissional por ele. Ele sabe fazer drama de rir e chorar na mesma cena. É um comediólogo da maior competência.
MC Esse ano, você retorna ao teatro com a peça A Sabedoria dos Pais, escrita especialmente para você e Herson Capri por Miguel Falabella, mais de 20 anos depois do seu último trabalho nos palcos com Capitanias Hereditárias. Como avalia esse retorno e homenagem? E por que agora é a hora certa de pisar no tablado novamente?
NV Esse projeto é antigo. O texto é inédito, inclusive pode ser que ele ainda mude. Mas a ideia do projeto vem lá de trás, desses 20 anos de amizade. Nesse tempo, ele fez alguns projetos que eu não pude aceitar, na televisão inclusive, que é ainda mais difícil para mim. Então, recebi um novo convite quando estava fazendo A Dona do Pedaço e não pude fazer a peça. De lá para cá foram várias tentativas, mas tiveram musicais, palestras… muitas questões. Mas agora, todos os deuses do teatro se juntaram e conseguimos juntar o Herson, que sempre esteve nos planos, com a gente.
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MC Em 2014, em entrevista ao Extra, você comentou sobre não ter tido “competência” para ter uma família, por ter focado muito no trabalho. Como enxerga essa fala hoje? Existe algum arrependimento quanto a isso?
NV Não tenho nenhum arrependimento de nada da minha vida. Foram várias questões [que a levaram a não ter uma família]. Pode ser que tenha sido falta de competência, mas essa é uma forma muito simplista e rápida de responder uma questão mais complexa. Sempre trabalhei muito e fiz muitas coisas juntas. Fui para São Paulo cursar faculdade, lá já comecei a ser atriz na TV Cultura, mas acabei sendo engolida pela universidade. Quando me formei, fui para a TV Globo, e depois minha vida foi mudando muito. Como não tenho uma família muito grande, tive que me empoderar muito cedo. Há 30 anos, já estava brigando com homens, com diretor de um colégio onde eu trabalhava que não queria me remunerar, brigava para pagar o aluguel de onde eu morava… já vivia batalhas tão grandes que não tinha tempo para pensar na família. Quando veio [a oportunidade], fiquei envolvida com outras questões, como o teatro e a televisão.
MC Como foi para você não dar lugar à maternidade em um país em que ainda cobra-se muito isso das mulheres? Essa pressão te atravessou, de alguma forma?
NV Nunca senti essa pressão, não. A peça que estou estrelando fala muito sobre o quanto de sabedoria os pais têm para ensinar ou transmitir para o filho. Lembro que meu pai sempre teve um desejo muito grande de que eu tivesse uma criança. Acredito que se eu tivesse um desejo de ter filho, seria por conta do desejo que ele tinha, e eu não pude fazer isso por ele. Se eu tivesse que me arrepender, seria pelo meu pai, a quem não pude dar um neto. Ele adorava crianças, sempre brincava com elas na calçada. Hoje, penso muito nisso: que pena que não tenho um filho. Talvez o espetáculo tenha me levado um pouco para esse lugar de querer ter um filho, já que falamos o tempo inteiro deles na peça.
MC Você não tem redes sociais e é conhecida por adotar uma postura mais discreta, rejeitando uma grande exposição. De onde vem esse desejo por um estilo de vida reservado?
NV Sempre fui muito tímida, desde criança. À primeira vista, isso pode parecer algo incompatível com o ofício [de ser atriz], e acho que é mesmo. Mas sempre fui assim. Posso me apresentar para um público de 2 mil pessoas, mas dificilmente vou conseguir falar para 2 mil pessoas. Minha mãe falava que, quando eu era mais jovem, nem gostava de tirar foto. Acho também que é importante separar as coisas, porque acredito que o ator tenha que ter a cara do personagem e não a sua própria. Não gosto que saibam onde moro, onde eu fui… entendo que hoje em dia é difícil, porque a vida mudou muito e a internet trouxe algo diferente para a gente. [Artistas] têm que atuar nas redes sociais. Eu não tenho e não sou a única. Vários não têm. Mas acho que me sinto um pouco pretensiosa [quando falo sobre mim]. Hoje estou falando porque tenho uma peça para divulgar, mas dificilmente você vai me encontrar em uma revista, sentada, tomando um drink e falando sobre mim. Não sinto minha vida tão importante assim.
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MC Você carrega personagens bastante contraditórias e polêmicas no seu currículo, como Silvia, de Mulheres Apaixonadas, um dos seus papéis mais marcantes. A personagem trouxe à tona um grande debate a respeito de prazer feminino e fetiches. Acredita que as novelas ainda têm esse papel e responsabilidade de pautar discussões e transformações na sociedade? Principalmente em um Brasil ainda conservador?
NV Acho que, hoje em dia, esse papel está sendo mais exercido pelas redes sociais. Acho que já não é tão importante [trazer nas novelas]. Acredito que o público de novela está fazendo outras coisas e é bom que seja assim. É a dinâmica, o mundo vai mudando. Os jovens não veem televisão como viam antes. A novela não tem pouca audiência porque é ruim – afinal, nem todas são boas ou ruins, assim como antigamente –, mas porque é um público menor. O público que assiste hoje em dia é o mesmo que via há 20 anos, e ele está diminuindo porque está morrendo. Não vejo a novela, hoje, tendo tanta influência assim nas vidas das pessoas.
MC No Brasil, muitas atrizes já falaram abertamente sobre como deixaram de ter oportunidades após chegarem a idades mais maduras. Aos 72, como entende que o etarismo impactou na sua vida? Esse é um pensamento que te atravessa?
NV Sinto o peso da idade no meu físico. [A dinâmica do etarismo] sempre foi assim, não é de agora. Quando eu era jovem, abriu-se espaço pra mim, então entrei. Agora, estão abrindo espaço para outros jovens. Acho que é previsível, normal. A questão etária, para mim, se dá muito mais no meu físico. Antes eu saia às 8h da manhã e voltava 00h. Hoje, se eu quiser fazer isso, vai ser difícil. A questão da idade realmente te muda fisicamente. E, se você não quiser ficar muito ridículo, não pode se apegar muito à beleza. Tem que encontrar outras coisas a que se apegar. Você não pode se apegar apenas à beleza quando é jovem, porque quando a idade chega, isso não vai ser o suficiente. Hoje, não me entristece envelhecer, me olhar e me ver com uma ruga ou um cabelo branco. Ganhei muitas coisas com maturidade. Não vou dizer que é uma maravilha, porque não é. Para mim, é uma merda. Mas não é um peso. Tem que aprender a lidar e se preparar para isso, e acho que estou bem preparada. Rejeito muitos trabalhos, porque sou ainda menos vaidosa do que antes. Quero fazer coisas que me deixem feliz.
MC Você teve casamentos no passado que, apesar da exposição, foram muito discretos. Qual é o papel do amor romântico na sua vida hoje? O que mais mudou na sua visão do amor a partir dos seus relacionamentos?
NV A peça também fala sobre o amor na maturidade e como nessa fase descobrimos um novo amor. Eu tive dois casamentos e estou no meu terceiro. Foram casamentos que deram certo por cinco ou seis anos. Foram pessoas maravilhosas na minha vida. Nunca tive a experiência de um recomeço com a mesma pessoa. Hoje, vivo a experiência do amor na maturidade e fico muito feliz de estar vivendo isso e levando esse sentimento para a peça. Hoje, tenho um amor pleno, verdadeiro e, ao mesmo tempo, romântico. Isso mostra que você pode ser feliz, ter amor, amar e fazer tudo em qualquer idade. Sinto que estou vivendo uma fase romântica, muito preciosa, verdadeira e rica.
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