domingo, 31 de dezembro de 2023

Aprendendo com Brasília: padrões de desenvolvimento, urbanismo e urbanidade para a integração entre cidade e natureza no século XXI


Brasília representa um paradigma de cidade do século XX onde vários dos fundamentos do urbanismo moderno são interpretados e testados para erigir uma meta síntese do desenvolvimento brasileiro na década de 1950. Sua fortuna crítica insere-se no movimento mais amplo de revisão dos fundamentos da arquitetura e do urbanismo modernos que ocorreu à partir das vertentes críticas do final dos anos sessenta. Esse artigo revisita a relação entre desenvolvimento, urbanismo e urbanidade em Brasília e a sua fortuna crítica no campo da arquitetura e do urbanismo. Pretende-se colocar em xeque a validade da crítica que exclui Brasília e a cidade moderna das alternativas de futuro e, analisar com maior complexidade quais os elementos da cultura do planejamento e projeto urbano moderno ainda possuem validade ou podem ser aproveitados em um novo paradigma socioespacial e ambiental no século XXI.

As lições que Brasília pode dar ao futuro urbano do planeta.
O artigo “Aprendendo com Brasília: padrões de desenvolvimento, urbanismo e urbanidade para a integração entre cidade e natureza no século XXI”, escrito por Renato Anelli e Ana Paula Koury coloca em xeque “a validade da crítica que exclui Brasília e a cidade moderna das alternativas de futuro” e aponta o modelo urbano das superquadras do Plano Piloto como “opção para a construção de novos paradigmas de formas urbanas integradas com espaços de parques” e “essencial para os desafios da mitigação, adaptação e resiliência aos impactos dos eventos extremos da mudança climática” (Sobral Anelli e Koury, 2023).
O artigo questiona as críticas ao urbanismo moderno difundidas por Jacobs (1961) Holston (1993) e outros autores (e eu acrescentaria Jan Gehl, mais recentemente) e apresenta a Unidade de Vizinhança (conjunto de quatro superquadras agregadas com as áreas de comércio local e equipamentos urbanos como escola, posto de saúde, clube social, igreja, cinema e outros) como um modelo urbanístico que atenderia ao conceito de “Soluções Baseadas na Natureza” apontado no Relatório “Innovative 4 Cities” (Walsh et al., 2022, p. 28) para adaptação às futuras condições ambientais geradas pelas mudanças climáticas.
São destacadas três características do projeto do Plano Piloto que atenderiam estas condições de mitigação de impactos gerados pelas mudanças climáticas:
1) “A integração entre áreas verdes e áreas habitadas nas superquadras oferece um exemplo para os desafios contemporâneos de ampliar áreas para infraestrutura verde e azul dentro do tecido urbano. Medida necessária para reduzir a produção de calor urbano e adotar medidas difusas de micro drenagem urbana.
2) A estrutura das Áreas de Vizinhança que nortearam as superquadras pode orientar planos para a redução de deslocamentos motorizados nas atividades cotidianas em países de clima tropical.
3) As características do sistema viário, originalmente definido dentro dos padrões rodoviaristas da época, podem permitir adaptação para a implantação de sistemas de transporte público de alta capacidade que reduzam a utilização do transporte motorizado individual na escala metropolitana.”
O estudo conclui que o modelo urbanístico do Plano Piloto “pode servir como uma referência para o desenvolvimento de novos parâmetros ambientais e climáticos para as cidades brasileiras”.
Nosso estudo “Densidades Urbanas nas Regiões Administrativas do Distrito Federal” (Jatoba, 2017), realizado durante minha passagem pela Codeplan (atual IPEDF), foi um dos textos de referência do citado artigo. Nele calculamos e analisamos as densidades populacionais urbanas de cada RA do DF, comparando-as entre si e relacionando-as a: 1) a distância da área central - CBD3 do DF; 2) o percentual de casas e apartamentos/quitinetes; 3) a renda domiciliar per capita e 4) o valor médio dos imóveis.
Um dos resultados do estudo foi a contatação da grande discrepância entre as densidades urbanas das Ras que variam de 3,66 hab./ha no Park Way a 124,80 hab./ha na Ceilândia, (uma diferença de 34 vezes entre a menor e a maior densidade urbana) com uma densidade média no DF de 52,18 hab./ha. Vale ressaltar que se tomada só a área de Águas Claras Vertical, sem considerar os setores do Areal, Arniqueiras e ADE Águas Claras, que estão incluídos na área total da RA, esta seria a maior densidade urbana no DF com 211,57 hab./ha. Como a metodologia do estudo tomou como base a área total de cada RA, a densidade efetiva de Águas Claras foi calculada em 76,84 hab./ha.
Situação semelhante ocorre na comparação entre as densidades das RAs do Plano Piloto (20,31 hab./ha) e Ceilândia (124,80 hab./ha). Se for considerada isoladamente a densidade habitacional urbana média de uma Unidade de Vizinhança do Plano Piloto ficaria compreendida entre 235 a 282 hab./ha, maior inclusive do que a de Águas Claras Vertical.
Constata-se, então, que a Unidade de Vizinhança, na forma concebida por Lúcio Costa, tem uma densidade urbana otimizada, semelhante a de áreas urbanas com grande urbanidade e vitalidade urbana como Paris (216 hab./ha segundo Bertaud, 2012). E como eu já havia afirmado em texto publicado em 2015, a sua estrutura urbana “concentrando em um espaço alcançável pelo pedestre a moradia, o comércio de primeira necessidade, a escola, o jardim de infância, o posto de saúde, a igreja e as áreas de lazer, esporte e cultura coincide em muitos pontos com o que se propugna como o ideal de cidade de alta qualidade urbana. Nela há escala humana, acesso pedestrial aos principais equipamentos públicos, convivência harmoniosa das diversas funções urbanas, proteção a infância e qualidade dos espaços públicos e de lazer.” (Jatoba, 2015)
Neste sentido, concordo que o modelo urbanístico da Unidade de Vizinhança, mas do que o do conjunto urbano do Plano Piloto, pode ser referencial para o projeto de áreas urbanas adaptadas às mudanças climáticas e, de fato, já o tem sido em projetos de urbanismo contemporâneos.
Em posts futuros, pretendo desenvolver melhor esta ideia.
Sobral Anelli, R. L., & Koury, A. P. (2023). Aprendendo com Brasília: padrões de desenvolvimento, urbanismo e urbanidade para a integração entre cidade e natureza no século XXI. Registros. Revista De Investigación Histórica, 19(2), 112–131. Recuperado a partir de https://revistasfaud.mdp.edu.ar/registros/article/view/618
Jatobá, Sérgio (2017). Densidades Urbanas nas Regiões Administrativas do Distrito Federal. Texto para Discussão TD - n. 22. Companhia de Planejamento do Distrito Federal,Brasília.https://www.ipe.df.gov.br/wpcontent/uploads/2018/02/TD_22_Densidades_Urbanas_nas_Regiões_Administrativas_DF.pdf
Jatobá, Sérgio (2015). As Quatro Escalas do Plano Piloto no Planejamento Urbano de Brasília. Revista Brasília em Debate - Nº 11 – Agosto de 2015, p. 21-27. Codeplan – Companhia de Planejamento do Distrito Federal. Brasília https://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/03/Bras%C3%ADlia-em-Debate-11.pdf
Walsh, B., Greenwalt, J., OKE, C., Hadfield, P., Dickey, A., H Craig, M., North, M., Hunter, N., Okem, A., Bland, S., Verbeeck, J., Barth, B., Deacon, A., Roberts, H., Randhawa, J., Joshi, S., Silva, D. C., Lootens, M., Adler, M., … Zhu, S. (2022). Findings from Innovate4Cities 2021 and Update to the Global Research and Action Agenda (p. 8149908 Bytes). University of Melbourne. https://doi.org/10.26188/62795|D16F 3BAB

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