O que fizeram com a cidade que compreendeu o valor das coisas puras?

As imagens do horror pesam demais. Quem são essas pessoas verde e amarelas? Elas fazem vídeos exultantes, fazem cocô sobre um móvel, urinam nos assoalhos, furam obras de arte, roubam outras, perfuram, quebram, incendeiam, destroem algumas das joias mais bonitas que a alma brasileira criou nessa nossa história tão terrível e ao mesmo tempo tão exuberante.
Quem são esses verde e amarelos? Zumbis alucinados? Boçais ignorantes? Sinto repulsa por mim mesma quando me dou conta de que somos da mesma espécie e nascemos no mesmo país e falamos a mesma língua e viemos, na ponta da corda do poço, da mesma água.
Parece que a maioria deles não é brasiliense, nem mora aqui. Pisoteiam a alma do país que dizem defender.
Pisoteada, corro ao poema que Vinicius de Moraes escreveu para a Sinfonia da Alvorada que Tom Jobim e ele compuseram quando Brasília estava sendo construída.
Os três palácios que os zumbis verde e amarelos invadiram com tanta sanha de destruição surgiram de “antigas solidões sem mágoa”, do “infinito descampado”, da “terra vermelho-pungente”, escreveu o poeta.
Eram “campos sem alma” até que chegou o Homem (com H maiúsculo), não um homem específico, mas o Homem que honra o seu existir. Esses 60 mil Homens e Mulheres plantaram no deserto “uma cidade muito branca e muito pura… uma cidade de homens felizes, em toda a sua plenitude, em toda a sua fragilidade, homens que compreendam o valor das coisas puras”.
Chegaram, não em ônibus alugados, mas em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, de todos os lados da imensa pátria – ainda Vinicius. Para construir, não para destruir.
Sessenta mil trabalhadores vindos de todos os cantos. “Sessenta mil candangos foram necessários para desbastar, cavar, estaquear, cortar, serrar, pregar, soldar, empurrar, cimentar, aplainar, polir, erguer as brancas empenas” – é o poetinha erguendo em poema a construção de Brasília.
Tudo tão branco e puro “como se tivessem sido depositadas de manso por mãos de anjo na terra vermelho-pungente do planalto, em meio à música inflexível, à música lancinante, à música matemática do trabalho humano em progressão. O trabalho humano que anuncia que a sorte está lançada e a ação é irreversível”.
Depois vieram os artistas dos vidros, dos azulejos, dos pincéis, dos ferros para completar a obra seminal do Brasil moderno – que tanta esperança nos deu e deu ao mundo.
Quem são esses zumbis verde e amarelos? Sobrou neles alguma humanidade? E os zumbis fardados, os mais bem pagos do país? E o Ibaneis, com seu cinismo sorridente, como se risse de todos nós, o tempo inteiro, que zumbi é esse?
QUEM FAZ O BLOG

Conceição Freitas
Sou filha de quatro cidades: Manaus, Belém, Goiânia e Brasília. Repórter, cronista e dona de uma banquinha de afetos brasilienses. Guardo em mim amores eternos e 11 prêmios de jornalismo – o mais importante deles, Esso Nacional – por uma série de histórias de amor entre excluídos, portadores de necessidades especiais e errantes de todo tipo. Fui repórter de polícia, cidades, cultura, Brasil. Neta de negro e de índio, sou brasileira até o último fio de cabelo cacheado. Adoro descobrir o sentido que cada pessoa dá à vida. É do sentido delas que construo o meu.
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