Rúbio Guimarães
Oswaldo Gessner abriu o Aquarius American Bar, que depois se tornaria a boate
Boate New Aquarius - a era da libertação gay em Brasília
Matéria publicada em 05.08.2006 : :
Thales Sabino para a Tribuna do Brasilia
Para o gay brasiliense com pouco mais de 20 anos é difícil imaginar que há trinta e dois anos a cena GLS da cidade descobria sua primeira boate, a New Aquarius. Localizada no Conic, a casa representou, na vida de muita gente, a transformação, a experimentação. Pela primeira vez, os gays da cidade tinham onde se reunir para dançar, namorar e jogar conversa fora.
A história do clube se funde com a de seu idealizador, Oswaldo Gessner, que em 1972 veio do Rio de Janeiro trabalhar na criação da associação dos servidores do Banco Central. “Eu ficava impressionado ao ver que Brasília não tinha nada para os gays. Por várias vezes eu e amigos fomos destratados em bares e restaurantes por nossa condição sexual”, conta o baiano que foi para o Rio estudar Engenharia Química e acabou se formando em Teatro.
Em 1974, Oswaldo abriu o Aquarius American Bar, que depois se tornaria a boate. Desenferrujou o lado teatral e começou a dirigir shows de transformistas. Em dois anos, a casa tinha triplicado de tamanho e cada apresentação era tão badalada que parecia estréia de teatro. O mesmo número poderia ficar em cartaz por até oito meses. “Ensaiávamos por três meses, fazíamos cenários, figurinos e coreografia. Nas estréias, formavam-se filas enormes na porta”, lembra.
Revolução
Era o auge da era da ‘disco music’. Figuras da alta sociedade eram vistas com freqüência na casa. Os jornais da época mostram bem como a cidade entendia, ou pelo menos tentava entender, aquele momento de liberação. “Freqüentar a marginália: um modismo que tomou conta da cidade”, dizia a manchete de 31 de dezembro de 1978 do caderno de Cultura do Correio Braziliense, em matéria assinada por Irlam Rocha.
As transformistas mais badaladas do Brasil vinham apresentar seus números aqui. Rogéria, a mais famosa no mainstream, é uma delas. Artistas e o público “hype” do festival de Cinema sempre esticavam na boate gay. “Foi uma época de muito glamour e badalação. As travestis daquela época tinham cultura, sabiam de cór as músicas de Edith Piaf, Billy Holiday, Gal Costa, Maria Betânia”, lembra Gessner.
Até a “invenção” da Aids, ir à New Aquarius foi sinônimo de modernidade. Uma reportagem curiosa sobre os cross-dressers de Brasília, publicada no dia 23 de junho de 1983 no jonal A Última Hora, mostra bem o período da descoberta da doença. Em matéria intitulada “O mundo do terceiro Sexo”, o jornalista Pelágio Gondim comentava que nenhum homossexual de Brasília até aquele momento tinha ido para o cemitério Campo da Esperança devido ao “câncer gay”. Mal sabia ele que aquele era o princípio da epidemia e que o “câncer” não era privilégio dos homossexuais. “A Aids espantou muito o público hétero e criou um estigma de que os gays eram todos doentes”, conta Oswaldo.
Ditadura, disco music, Aids. Renato Russo, Fernando Carpaneda, Gretta Star. Momentos e artistas diferentes que freqüentaram a New Aquarius e depois despontaram pelo mundo das artes. Cláudia Celeste, Vittória, Maruse, Simone e Kiki. Transformistas que integraram o elenco da casa e fizeram história.
Entre trancos e barrancos, reinaugurações e re-reinaugurações, a New Aquarius reinou por pouco mais 21 anos. Em 1995, já com público fraco e o perfil desgastado, a New Aquarius recebeu a “visita” da polícia, em uma batida em que até o DJ foi revistado. O público ficou acuado e a história se espalhou durante a semana. O medo de que algo parecido pudesse se repetir poderia até ter sido superado e tudo ter voltado ao normal, não fosse, logo no fim de semana seguinte, a inauguração de um clube maior e com batidão eletrônico com cara de anos 2000: a boate Garagem. E a Aquarius sucumbiu à modernidade da house music.
“Naquele dia eu senti que a New Aquarius tinha chegado ao fim. Depois que a Garagem abriu, ninguém mais quis nos prestigiar”. E quanto maior era a empolgação dos clientes com a novidade no Setor de Oficinas, menores eram as chances do inferninho no Conic se recuperar. A era de Aquarius entrou, naquele momento, em uma era glacial. Hoje, poucos sequer sabem que a boate existiu. Uma pena.
Há dois anos, com o nome de Espaço Galleria e metade do espaço, a “alma” da New Aquarius tem tentado reencarnar em festas esporádicas. Difícil missão, afinal os tempos são outros e o público que hoje circula na cena desconhece sua história. Mas Oswaldo não liga e quer resgatar, com nova roupagem, os shows de transformistas e o romantismo na noite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário