
Estavam todos lá: ministros, interventores, corpo diplomático, banda de música fardada, o coral e sinfônica regidos por Villa-Lobos, centenas de estudantes agitando suas bandeirinhas. Com todos os santos e graças, o cardeal Sebastião Leme oficiou uma missa campal. Fitando aquela cena, os suaves prédios art déco que adornavam a Praça Russel, na Glória, aqueceram-se quando aquela enorme pira, acesa no centro da cerimônia, passou a consumir, uma a uma, as bandeiras dos 21 estados brasileiros. A mais ciosa de si, a gloriosa Farroupilha, foi conduzida, como as demais, para as cinzas, pelas mãos femininas, com impecáveis luvas brancas, de uma guarda quase marcial. Compondo o cenário, a batuta de Villa-Lobos, fazendo brandir o Hino Nacional, silenciava a crepitação das chamas. Iniciava-se assim aquela noite de 27 de novembro de 1937, dezessete dias depois do golpe que deu início ao Estado Novo.
"Bandeira do Brasil, és hoje a única. Tu és única, porque só há um Brasil. A unidade que somente pode reinar quando se instaura, por entres as discórdias e as inimizades públicas, uma só ordem moral e política. A ordem soberana, feita de força e ideal. A ordem de um único pensamento e de uma só autoridade: o pensamento e a autoridade do Brasil", anunciou para todos, com vigor e convicção, o artífice do Estado Novo, Chico Campos. No centro do grande palco, ao lado da esposa Darcy Vargas — naquela noite numa elegância europeia — num meio-sorriso, Getúlio, saboreando "um puro", contemplado por uma gigantesca bandeira do Brasil, deve ter pensado: eu, o meu charuto e a pátria
mento da Marcha para o Oeste, a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) e do estratégico Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — que fará o primeiro levantamento dos problemas básicos do país, até então observados, mas nunca organizados e mensurados devidamente —, sugeria bem o ritmo do novo Brasil de Vargas. Nem as ameaças do general Newton Cavalcanti — que havia renunciado ao comando da Vila Militar em solidariedade a Plinio Salgado — que pretendia bombardear o Palácio da Guanabara, assustou o reinante caudilho. Entre janeiro e fevereiro de 1938, Getúlio passou 32 dias em Poços de Caldas com a família. Estava tão encantado com o momento que ainda se fez acompanhar da jovem e bela Aimée Sotto Mayor Sá, com quem mantinha um tórrido e secreto romance.
Agora sob a liderança do renomado urologista carioca, dr. Belmiro, os integralistas decidiram invadir o Palácio Guanabara e eliminar o presidente e a sua família. Contrataram o tenente da reserva Severo Fournier, mobilizaram uma tropa com militares e civis, e agendaram a invasão para a madrugada de 11 de maio. O caminhão de Fournier e sua tropa insurreta chegaram ao Palácio pouco depois da meia-noite. Um tenente integralista que fazia a guarda naquela noite, previamente advertido, abriu os portões. A fuzilaria e troca de tiros começou em seguida. Assistindo a um filme e tomando chá com a família, Getúlio viu as janelas do grande salão varadas de balas e o belo lustre de cristal — certamente um dos encantos da Princesa Izabel, primeira ocupante do Palácio — explodindo entre chumbos. Não demorou, Dutra chegou com a sua tropa e Filinto Muller com a sua polícia famosa pela violência. Derrotado, Fournier conseguiu fugir. Havia mortos, presos e feridos. Bejo Vargas, irmão de Getúlio, que ouviu a fuzilaria da casa de um amigo não muito distante, chegou no Guanabara, ainda na tensão dos últimos instantes. Apanhou uma metralhadora jogada ao chão e seguiu ao encontro do irmão. Na última vistoria da situação, Bejo se deparou com sete prisioneiros vigiados pelas tropas legalistas. Sem uma palavra, metralhou os sete. Terminava assim, a última rebeldia!
O conceito de metrópoles modernas, higiênicas, arejadas, arborizadas, com ruas e avenidas amplas e salubres, chegou ao Brasil no início da República, inspirado na grande reforma urbana de Paris conduzida pelo Barão Haussmann na segunda metade do século 19, no governo de Napoleão III. Belo Horizonte, a primeira grande cidade brasileira do Brasil moderno, teve essa inspiração entre 1894/1897. O mesmo iria acontecer no Rio de Janeiro, com Pereira Passos entre 1902/1906. Goiânia, que começaria a ser construída em 1933, no governo do getulista Pedro Ludovico, não fugiu a regra, embora a ela possa se atribuir também uma outra função política e simbólica: a ocupação do Brasil Central e a construção da nova capital do país
Encrustada entre duas serras, nas margens do Rio Vermelho, símbolo da aventura bandeirante e mineradora nos séculos 18 e 19, a Cidade de Goiás era insalubre, sensível às doenças da época, prisioneira da natureza, impossível de se expandir e atender as necessidades do mundo industrial que marcaria o país e o Ocidente no século 20. Desde 1917, Henrique Silva e Americano do Brasil, por intermédio da Informação Goyana (1917/1935), passam a divulgar e defender o Planalto Central, a mudança da capital do país para o Quadrilátero Cruls, a mudança da capital do estado, a salubridade da região, as riquezas e potencialidades minerais, agropecuária de Goiás e do Brasil Central. Esse movimento, de certo modo liderado por Henrique Silva, organiza e une as elites políticas, comerciais e rurais de Goiás em torno da defesa, articulada, dos sertões, do planalto e do Brasil Central.
Já no início da década de 1930, a ideia da transferência da capital goiana era objeto de reflexão entre lideranças de Goiás. O engenheiro Carlos Haas, em artigo publicado no jornal Voz do Povo, em 27 de fevereiro de 1931, na então capital de Goiás, defendia a edificação de uma nova capital na região conhecida como Mato Grosso de Goiás, considerada por ele como terras férteis e onde, como grande recurso, existia uma frondosa floresta tropical. Observava-se também, desde a expansão da rede ferroviária em Goiás nas primeiras décadas do século 20, um expressivo fluxo de pioneiros em busca de terras férteis e livres, na ocasião doadas pelo governo goiano como estimulo à colonização agrária. "Onde hoje imperam onças e tapir virá a ser uma das zonas mais populosas e mais ricas do Brasil", vislumbrava Haas em seus artigos.
Médico, formado no Rio de Janeiro, Pedro Ludovico liderava o grupo goiano que apoiou o golpe de 1930 e colocou Getúlio no poder. Nomeado interventor, aliado da primeira hora do líder gaúcho, o jovem governador de Goiás, em 1933, já atento ao novo espírito do tempo, reuniu-se, pela primeira vez, em Bonfim — hoje Silvânia —, para discutir o sitio onde seria construída a nova capital. Com o apoio de João Argenta, Jerônimo Fleury Curado e Laudelino Gomes de Almeida, em 24 de abril de 1933, o governador fez prevalecer a sua opção pela região próxima a Campinas. A construção de Goiânia não seguiu um roteiro único e uniforme. Attilio Correia Lima, primeiro urbanista brasileiro, formado em Paris, iniciou a primeira fase.
No segundo momento, as obras passaram para o comando dos irmãos, engenheiros, Jerônimo e Aberlado Coimbra Bueno, que contrataram o também engenheiro Armando Augusto Godoy, então discípulo do francês Alfred Agache. De qualquer sorte, enquanto Getúlio, no Rio de Janeiro, engalfinhava-se com paulistas, integralistas, comunistas, liberais, tenentes insatisfeitos e oficiais militares revoltosos — desenhando o Estado Novo que seria vitorioso em 1937 iniciando, de fato, a Era Vargas —, Pedro Ludovico edificava Goiânia, um monumento art déco, que oferecia a primeira feição de modernidade ao Brasil Central e ao Oeste brasileiro.
"Minha visita a Goiás é o início da marcha para o Oeste. As potencialidades dos vossos solos e suas riquezas têm fóruns lendários. Vossas pastagens e rebanhos podem multiplicar-se; matérias-primas e minerais são abundantes", disse Getúlio Vargas, em seu discurso no Palácio das Esmeraldas, em 5 de agosto de 1940, na sua primeira visita a Goiânia. A cidade só seria formalmente inaugurada em 5 julho de 1942, no seu Batismo Cultural. Mas, quando o presidente Vargas adentrou o Palácio das Esmeraldas, pela primeira vez, Goiânia, e a sua exuberância art déco, já estavam ali como promessa e sedução!
Já em 1941 e 1943, duas iniciativas acentuam a importância política e estratégica do governo Vargas na sua política pública "Marcha para o Oeste". A Expedição Roncador-Xingu e o projeto das Colônias Agrícolas Nacionais. O Ministério da Agricultura, em parceria com governos estaduais, cria sete grandes Colônias Agrícolas Nacionais: em 1941, as Colônias Agrícolas de Goiás — dirigida por Bernardo Sayão — e Amazonas; em 1942, as colônias do Pará e do Maranhão; em 1943, as colônias General Osório (Sudoeste do Paraná) e Dourados (no território de Ponta Porã, Mato Grosso); e em 1944, a Colônia do Piauí.
A Expedição, criada pelo diretor da Coordenação de Mobilização Econômica, o ex-tenente e ex-interventor de São Paulo, João Alberto, apesar de pouco conhecida e estudada, trazia um direto interesse militar. Entre 15 e 17 de agosto de 1942, os nazistas bombardearam seis navios brasileiros.
O Brasil havia declarado guerra aos alemães. O Rio de Janeiro, então capital, sempre foi considerada uma cidade vulnerável a ataques estrangeiros. Era preciso uma alternativa para uma eventual transferência do governo numa possível invasão. Portanto, a Expedição tinha, também como missão, estabelecer ligações aéreas e terrestres entre a cidade de Leopoldina, em Goiás, e uma base a ser construída na Serra do Roncador. Essa reflexão geopolítica e militar — sempre presente nos longosBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBbates sobre a transferência da capital para o Brasil Central — será determinante nas decisões de se construir Brasília depois de 1945.